quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

EUGÊNIO KUSNET

Eugênio Kusnet
"Ame a arte em você, mas não a você na arte". Constantin Stanislavski.



"É muito esclarecedora a explicação do companheiro de K. S. Stanislavski, Vladimir Nemiróvich-Dânchenko sobre o conceito 'Dualidade do ator'. A diferença entre as emoções na vida real e as emoções cênicas consiste no fato de que, quando na vida real, uma pessoa é vítima de uma grande desgraça, ela só sofre e chora, mas o ator em cena, quando mais sincera e profundamente vive a desgraça do personagem, tanto mais sente a alegria de sua criação. E essa alegria, de maneira alguma, diminui a intensidade e a paixão de sua desgraça". Eugênio Kusnet.

Eugênio Shamansky Kusnetsoff nasceu em 29 de dezembro de 1898, na cidade de Kherson, ao sul da Rússia, filho do oficial Nicolau Shamansky e de Olga Shamansky. “Quando pequenos, improvisamos nos corredores de casa a representação de dramas e óperas. Era esta inclusive uma forma de tomar dinheiro de mamãe... para irmos ao cinema, ficando ela, assim, livre de algazarra. Tínhamos entusiasmo tão grande pelo teatro que, certa vez, para assistir a um recital de Chaplin, meu irmão vendeu uma de suas calças. Na minha juventude estudei canto, depois veio a guerra, a revolução, e só em 1920 voltei a pensar em teatro”.

Aos 18 anos, interrompeu seus estudos na Escola Politécnica, para se alistar no exercito da Primeira Guerra Mundial e, logo depois, na Guerra Civil que derrubou o czarismo. Em 1920, depois da vitória dos bolcheviques, Kusnet retornou ao teatro trabalhando durante sete anos em teatro russo nas ex-províncias bálticas (Lituânia, Bielorrússia, Finlândia e principalmente na Letônia e na Estônia). Eugênio conta como foi sua estréia como ator num duelo de uma opereta. Mais tarde ingressou no drama, trabalhando antes numa série de comédias.

Kusnet lembrava-se especialmente do seu primeiro drama, uma peça monstruosa em cinco atos em que, segundo o pesquisador Jurandir Diniz Júnio, “ele (Kusnet) velava o corpo de sua mãe e, em seguida, metia uma bala no seu ouvido. Em desespero, na agonia do suicídio, recuou demais e bateu sem querer numa coluna de ‘mármore’, que despencou fazendo o mais chocho e desmoralizante som no assoalho. Apesar de tudo, prosseguiu com o suicídio e caiu no chão; mas caiu fora do lugar e verificou que o pesado pano de boca iria atingi-lo. Não teve dúvidas, levantou-se meio cambaleando e apesar de já ter morrido, ressuscitou e caiu morto outra vez”.

Kusnet trabalhava nos países bálticos para se profissionalizar que começava desaparecer progressivamente os teatros russos nesses países depois pós-revolução, ele começou a procurar uma solução para continuar sua carreira e através de correspondências de amigos residentes no Brasil, teve a idéia de estudar português com o intuito de aplicar-se ao trabalho teatral no Brasil.

Em 1927, após desembarcar na Baía de Guanabara, tentou sobreviver cantando em rádios e fazendo traduções. A quase ausência de teatro no Brasil obrigou-o a procurar emprego fora da sua área. Comprou um caminhão velho de um amigo e começou a trabalhar na construção da estrada de ferro Sorocabana. Mais tarde, foi comerciário e acabou ganhando dinheiro com uma pequena indústria de artefatos de plástico em São Paulo.

Continuou assim até que, em 1951, Ziebgniw Ziembinski convidou-o para integrar o elenco de “Paiol Velho” no Teatro Brasileiro de Comédia do empresário paulista Franco Zampari. Estava então com 53 anos. Eugênio, apaixonado pelo teatro, aceitou um salário quase sete vezes menor que o lucro que obtinha como pequeno empresário. Essa opção colocou-o rapidamente entre o ambiente jovem e revolucionário que começava a articular-se. Conviveu com grandes nomes como José Renato, Augusto Boal, Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco Guarnieri.

Vale lembrar que na época em que Kusnet estava nos teatros de província da Rússia, sofreu uma forte influência de Stanislavski, embora não tivesse tido contato com o mestre, “sua preparação” foi no puro instinto, sem qualquer sistematização séria. Foi no Brasil que Eugênio leu as obras de Stanislavski e começou a desejar lecionar a artes dramáticas com base no Método.

Entrou no Grupo Oficina ficando dois anos e meio antes de se profissionalizar, dando aulas e atuando. Sua última montagem foi em 1967 com a peça “Pequenos Burgueses” onde ganhou o prêmio de melhor ator do I Festival Latino-Americano (Uruguai, 1964), Globo de Ouro em Porto Alegre (1964) e o prêmio Molière (1965).

 “Notei que se a gente ensina, também aprende com os alunos. Ao ensinarmos surgem idéias novas, discussões e proposições. Depois verifiquei que isso só ainda não era suficiente, e corria-se o risco de se transformar em ferro velho. Era necessário contato vivo com o palco. E voltei a trabalhar como ator”.

Eugênio trabalhou nas peças:
· “Seis Personagens à Procura de um Autor” de Luigi Pirandello no TBC (1951);
· “Convite ao Baile” de Jean Anouilh no Teatro Popular de Arte (1951);

Dirigiu e/ou atuou em:

· “Manequim” de Henrique Pongetti, no Teatro Popular de Arte (1952);
· “Canto da Cotovia” de Jean Anouilh, no Teatro Popular de Arte (1954);
· “Profundo Mar Azul” de Terence Rattingan, no TBC (1955);
· “Santa Marta Fabril S.A.” de Abílio Pereira de Almeida, no TBC (1955);
· “A Casa de Chá do Luar de Agosto” de John Patrick, no TBC (1956);
· “O Sedutor” de Diego Fabri, no TBC (1956);
· “Repouso no Telhado” de Valentin Kataiev, na produção da primeira turma de formandos do CID – Curso de Interpretação Dramática do Teatro de Arena (1956);
· “A Rainha e os Rebeldes” de Ugo Betti, no TBC (1957);
· “Interesses Criados” de Jacinto Benavente, no TBC (1957);
· “Eles não usam Black-Tie” de Gianfrancesco Guarnieri, no Teatro de Arena de SP (1958);
· “A Alma Boa de Setsuan” de Bertolt Brecht, no Teatro Popular de Arte (1958);
· “Desejo” de Eugene O’Neill, no Teatro Popular de Arte (1958);
· “A Sociedade em Pijama” de Henrique Pongetti, no Teatro Popular de Arte (1959);
· “Gimba” de Gianfrancesco Guarnieri, no Teatro Popular de Arte (1959);
· “A Engrenagem” de Jean-Paul Sartre, no Teatro Oficina (1960);
· “A Ópera dos Três Tostões” de Bertolt Brecht, na Escola de Arte Dramática da Bahia (1960);
· “A Vida Impressa em Dólar” de Clifford Odetts, no Teatro Oficina (1961);
· “Todo Anjo é Terrível” de Ketti Frings, no Teatro Oficina (1962);
· “A Visita da Velha Senhora” de Friedrich Durrenmatt, no Teatro Cacilda Becker (1962);
· “Os Pequenos Burgueses” de Máximo Gorki, no Teatro Oficina (1963);
· “Toda Donzela tem um pai que é uma Fera” de Gláucio Gil, no Teatro Oficina (1964);
· “Andorra” de Max Frisch, no Teatro Oficina (1964);
· “Um Caso em Irkutsk” de Alexei Arksov, no Studio Um do Teatro oficina (1965);
· “Os Inimigos” de Máximo Gorki, no Teatro Oficina (1966);
· “Marat/Sade” de Peter Weiss, no Teatro de Esquina (1967);
· “Meu Pobre Marat” ou “ Diário de Leningrado” de Alexei Arksov com produção de Eraldo Rizzo (1971).

Kusnet também fez participações em filmes como:

· “Sinhá Moça” do Cineasta Tom Payne, com a produção de Cia. Vera Cruz (1953);
· “Ana Terra” direção de Adolfo Celi, com a produção Cia. Vera Cruz (1953);
· “Uma Certa Lucrecia” do cineasta Fernando de Barros, com a produção de Serrador e Massaini (1957);
· “Casei-me com um Xavante” do cineasta Alfredo Palácios, produzido por Mário Marinho (1958);
· “Cara de Fogo” do cineasta Galileu Garcia, produzido pela Cinebrás e Cinematográfica São José dos Campos (1958);
· “Cidade Ameaçada” do cineasta Roberto Farias, produzido por José Antonio Orsini (1960);
· “Tristeza do Jeca” do cineasta Amâncio Mazzaropi, produzido pela PAM filmes (1961);
· “O Homem que Comprou o Mundo” do cineasta Eduardo Coutinho, produzido pela Mapa/Colúmbia (1968)
· “Gente que transa.... os Imorais” do cineasta Sílvio de Abreu, produzido pela Phoenix (1974).

Kusnet partiu para uma viagem de estudos pela Europa a fim de estudar métodos de ensino de teatro, com a intenção de abrir uma escola quando retornasse ao Brasil. Através da União Cultural Brasil-União Soviética, onde chegou a lecionar no curso de interpretação, foi convidado pelo Ministro da Cultura da URSS para observar aulas de duas importantes escolas de teatro, Escola-Estúdio do Teatro de Arte de Moscou e Escola Teatral de Stchukin do Teatro de Vakhtangov.

“Minha viagem à Europa, com permanência de três meses na URSS, teve por finalidade aprender mais, principalmente no campo do ensino da arte dramática, setor ao qual pretendo dedicar o máximo de meu tempo. Para poder ser útil aos que vêm me ouvir, preciso renovar sempre os meus conhecimentos. De minha parte creio que a melhor maneira de se contribuir para a melhoria qualitativa do nosso teatro é inculcar no espírito de todos os elementos da equipe teatral a necessidade de nunca deixarem de estudar. Com isso, estaremos combatendo o grande mal que ainda existe no nosso teatro: o diletantismo”.
Seus últimos quinze anos foram dedicados à formação de atores, lecionando na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Universidade Mackenzie, na Escola de Teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul, no Teatro Oficina, no Teatro Arena, no Centro de Estudos Macunaíma e na Escola de Arte Dramática da ECA-USP. Ministrou cursos na Bahia e no Rio Grande do Sul.

Kusnet escreveu três livros, “Iniciação à Arte Dramática” (1968), “Introdução ao Método da Ação Inconsciente” (1971) e “Ator e Método” (1976).

Eugênio Kusnet morreu em 1975. Um dos seus discípulos disse que antes de entrar na sala de cirurgia onde morreria, Kusnet teria dito que queria mais três anos de vida para duvidar de tudo que havia ensinado e estudado.

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